quarta-feira, 21 de abril de 2010

FALA A LOUCURA

Fala a Loucura:

"Os mortais têm a meu respeito opiniões díspares e não ignoro o mal que se ouve dizer da loucura, mesmo entre os loucos"
(...)
"Todos me fazem a corte; desde há séculos que gozam dos meus favores e nem um só testemunhou o seu reconhecimento fazendo o elogio da loucura"
(...)
"Não vos vou exigir a atenção com que ouvis os sermões sagrados, mas a que se presta nas feiras aos charlatães, bobos e saltimbancos..."

Estão aqui reunidas algumas passagens avulsas do célebre "Elogio da Loucura", de Erasmo de Roterdão. Mas, como bem sabemos, já S. Paulo fazia o elogio da loucura. Uma loucura 'diferente', é certo, mas com mais pontos de contacto com a loucura erasmiana do que à partida podemos imaginar.
Para termos uma ideia mais aproximada, podemos invocar a fábula "A Cigarra e a Formiga", devidamente 'trabalhada' pelo poeta brasileiro Mário Pederneiras. Nesta fábula, Paulo incarnaria, seguramente... a Dª Cigarra. Nem podia ser de outro modo: Dª Formiga pertence à classe das 'pessoas sérias', com um celeiro sempre muito bem aprovisionado... para si própria, claro. Dª Cigarra, pelo contrário, é aquela pobre coitada que não vale nada para as pessoas sérias; é a pobre infeliz que vive de dar lições de canto e que acaba, irremediavelmente, na miséria.
Ora, Paulo é bem o exemplo do desprezado pelos bem pensantes do seu tempo. Ele sabe que a Cruz que prega é escândalo para os judeus e loucura para os gentios. "Mais tarde te ouviremos..." - não é isso que lhe respondem sarcasticamente os 'cidadãos' de Atenas, quando Paulo lhes fala da ressurreição dos mortos em pleno Areópago? Mas é essa mesma loucura que anima e move o Apóstolo.
Paulo não põe a sua confiança na sabedoria humana, antes na sabedoria de Deus, que é sempre desprezada pelos arrogantes deste mundo. O mesmo acontecerá, uns séculos mais tarde, com S. João de Deus, quando prega a misericórdia de Deus pelas ruas de Granada. Por sinal, até foi internado numa casa de loucos... Claro, nem podia ser de outro modo.
Paulo chocou com Cristo ressuscitado como um carro armadilhado e os estilhaços ainda hoje se fazem sentir.
Todo o ódio de Saúl transformou-se subitamente em amor cristão; um amor desproporcionado, indecente mesmo. E apesar de Lucas apresentar nos "Actos" a história da sua conversão por três vezes (!), ao fim e ao cabo, ninguém sabe o que realmente se passou. Talvez porque a Realidade seja isso mesmo: invisível e inefável.
Mas a partir de então temos o Paulo. Sim, o Paulo.
De rins cingidos com a verdade, vestido com a couraça da justiça e de pés calçados com a prontidão para o anúncio do Evangelho, o escudo da fé, o capacete da salvação e a espada do Espírito, lá vai o nosso S. Paulo pelo mundo fora. A todo este aparato chama ele - imagine-se - 'armadura de Deus' (Ef). Já não estava bom. E a loucura intensifica-se...
Por onde passa, interpela, perturba, sobressalta, ateia fogos de fé e de esperança em Cristo, onde quer que seja, perante quem quer que seja, oportuna e inoportunamente, sofrendo todo o género de perigos, flagelações, prisões, naufrágios, apedrejamentos, trabalhos e duras fadigas, noites sem dormir, fome e sede, jejuns, frio e nudez. Em tudo segue uma política inflexível de 'terra queimada' - não fosse ele o incendiário, o piromaníaco -, só que, ao invés de destruir, constrói.

"De bom grado, portanto, prefiro gloriar-me nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo. Por isso me comprazo nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias, por Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte." (2 Cor 12, 10).

Fala a Loucura...

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