Diz o Papa Bento em Deus Caritas est:
6. Concretamente, como se deve configurar este caminho de ascese e purificação? Como deve ser vivido o amor, para que se realize plenamente a sua promessa humana e divina? Uma primeira indicação importante, podemos encontrá-la no Cântico dos Cânticos, um dos livros do Antigo Testamento bem conhecido dos místicos. Segundo a interpretação hoje predominante, as poesias contidas neste livro são originalmente cânticos de amor, talvez previstos para uma festa israelita de núpcias, na qual deviam exaltar o amor conjugal. Neste contexto, é muito elucidativo o facto de, ao longo do livro, se encontrarem duas palavras distintas para designar o « amor ». Primeiro, aparece a palavra « dodim », um plural que exprime o amor ainda inseguro, numa situação de procura indeterminada. Depois, esta palavra é substituída por « ahabà », que, na versão grega do Antigo Testamento, é traduzida pelo termo de som semelhante « agape », que se tornou, como vimos, o termo característico para a concepção bíblica do amor. Em contraposição ao amor indeterminado e ainda em fase de procura, este vocábulo exprime a experiência do amor que agora se torna verdadeiramente descoberta do outro, superando assim o carácter egoísta que antes claramente prevalecia. Agora o amor torna-se cuidado do outro e pelo outro. Já não se busca a si próprio, não busca a imersão no inebriamento da felicidade; procura, ao invés, o bem do amado: torna-se renúncia, está disposto ao sacrifício, antes procura-o.
Mais à frente, explica como este amor a Deus e amor de Deus é também, por Jesus Cristo, amor ao próximo:
20. O amor do próximo, radicado no amor de Deus, é um dever antes de mais para cada um dos fiéis, mas é-o também para a comunidade eclesial inteira, e isto a todos os seus níveis: desde a comunidade local passando pela Igreja particular até à Igreja universal na sua globalidade. A Igreja também enquanto comunidade deve praticar o amor.
É neste sentido que eu considero ainda a tradução de ágape por “caridade” como a mais próxima. Pode ser uma palavra um pouco “gasta” nos nossos dias, talvez ultrapassada por termos como “solidariedade” ou “responsabilidade social”, mas pessoalmente vejo na palavra caridade uma grande força pelo que ela significa, se for levada a sério. É amor originado em Deus, é o próprio Deus, que nos leva ao amor do próximo, que nos obriga a sair de nós mesmos, porque é transcendente, e a olhar para o outro com o olhar de Jesus.
Por isso, correndo o risco de parecer escolher a saída mais fácil, não proponho uma nova tradução a ágape e sigo a tradicional opção CARIDADE.
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