terça-feira, 9 de março de 2010

Após a leitura da Carta a Filemon encontrei este artigo que está muito bom

O primeiro defensor da liberdade

Muitos séculos antes de a liberdade se tornar o manifesto da Revolução Francesa, e de alguma Carta Constitucional dedicar algum parágrafo à liberdade dos cidadãos, o Apóstolo Paulo, por volta do ano 50 d. C., enviou a magna carta da liberdade, que é a Carta aos Gálatas. Escrita para discordar da submissão à Lei de Moisés e à circuncisão, este manifesto paulino encontra na liberdade um dos seus principais conteúdos.

De que coisa nasce a liberdade dos crentes? Que características apresenta? Como se exerce nas relações humanas? Foi bem elevado o preço que Paulo teve de pagar para defender a liberdade das suas Igrejas, sobretudo contra os seus adversários, os judaizantes, que pregavam que, para se ser cristão, era necessário cumprir a Lei de Moisés. Sobre esta vertente o pensamento de Paulo foi imediatamente deturpado, porque foi acusado de libertinagem e foi este o motivo principal que o levou a ser preso e martirizado.
Reler as suas Cartas sob esta perspectiva leva-nos a encontrar o primeiro defensor da liberdade: procuramos fazê-lo com a Carta aos Gálatas que é o primeiro manifesto da liberdade cristã.

Um dos principais conteúdos do seu Evangelho

No mundo antigo a liberdade não pertencia à condição humana, como no nosso mundo moderno, mas dependia do próprio estado social, sendo por isso clara a distinção entre escravos e livres. Nenhum escravo podia adquirir a liberdade para si, mas ficava escravo para sempre, mesmo quando o seu patrão lhe concedia a condição de liberto, porque trazia gravado na carne a marca da submissão. Distinguiam-se as religiões de livres e de escravos, de homens e de mulheres, de judeus e de gregos: cada um tinha a própria religião, mas sempre na dependência da classe social a que pertencia.
Com a chegada do movimento cristão estas separações sociais são postas em discussão radical, visto que em Cristo «já não há nem judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher» (Gl 3,28). O sujeito principal da liberdade cristã não é a pessoa humana, mas Jesus Cristo que, com a sua morte na Cruz, resgatou os crentes (cf. Gl 4,4-5), conferindo-lhes uma liberdade completamente diferente daquela a que podia aspirar um filósofo escravo como Epicteto.
É altíssimo o valor que Paulo atribui à liberdade, ao ponto de a considerar como um dos conteúdos principais do seu Evangelho: «Cristo libertou-nos para sermos livres» (Gl 5,1) é o grito que ele lança contra todos os que desejam tomar sobre si o jugo da escravidão. Por isso a liberdade de que ele fala não se refere só àquele que é servo ou àquele que, com o livre arbítrio, distinguindo o bem do mal, pode tomar uma opção em vez de outra, mas assume traços absolutos e permanentes: é estar livre da Lei de Moisés, do pecado, dos elementos do mundo e até da morte, porque é um dom que Cristo pagou com um alto preço, com o seu Sangue, por aqueles que a Ele aderem através da fé.
Quando a liberdade
dos crentes está ameaçada é esta verdade do Evangelho que arrisca ser posta em perigo, como aconteceu no acidente de Antioquia em que houve um aceso debate entre Pedro e Paulo (cf. Gl 2,11-14). Se os crentes foram libertados de todas as formas de escravidão, não tem sentido exigir a sua submissão à Lei de Moisés e às regras de pureza alimentar que separam os judeus e os gentios. Do ponto de vista de Paulo a primeira assembleia e o primeiro Concílio da Igreja em Jerusalém representam a conquista fundamental da liberdade, reconhecendo a todos que não deve ser imposto a ninguém nada que ameace a liberdade em Cristo (cf. Gl 2,1-10). Partilhar a fé significa, antes de tudo, partilhar a liberdade que em Cristo reúne todos aqueles que Lhe pertencem.


O serviço no Espírito
O manifesto paulino da liberdade é radical e, por isso, corre o risco de ser instrumentalizado. Assim, há quem chegue a perguntar: «Então se o dom da liberdade que Cristo nos deu é absoluto, porque é que se não deve considerar tudo como lícito? E porque é que livres do pecado não pode cada um viver como lhe agrada?» Para contrariar este fundamental mal-entendido, que se tinha espalhado sobretudo na comunidade de Corinto, Paulo descreve a liberdade como um serviço, no sentido de que a questão fundamental não é poder decidir pessoalmente, mas estabelecer a quem se serve, se à carne e a uma vida dominada pelo egoísmo e pela desordem, ou ao Espírito e ao seu fruto que é «amor, alegria, paz, paciência, benevolência» (Gl 5,22).

Visto que «onde há o Espírito do Senhor há liberdade» (2Cor 3,17), é pelo fruto das suas virtudes que se distingue a autêntica liberdade da liberdade falsa ou ilusória. Ser guiados pelo Espírito não significa considerar-se livres de qualquer obrigação, mas não deixar-se seduzir pelas obras da carne que são «fornicação, impureza e libertinagem» (Gl 5,19).
Portanto, é no serviço segundo o Espírito e nas relações interpessoais que a liberdade se torna verdadeira e se reconhece, e não servindo a carne, que só cria novas formas de escravidão pessoais e comunitárias. O terem sido chamados à liberdade não pode nunca tornar-se um pretexto para viverem de forma egoísta, mas para escolherem servirem-se uns aos outros, cumprindo o mandamento do amor para com o irmão, o inimigo ou o estrangeiro.
O conceito paulino da liberdade chegou até Martinho Lutero, que no seu tratado A liberdade do cristão comenta assim a passagem de Gl 5,13: «Um cristão é um livre senhor sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém. Um cristão é um servo cheio de boa vontade em todas as coisas, e submetido a todos.» Defender a liberdade como serviço é o desafio mais elevado reservado aos crentes e à Igreja: traí-la é modificar a verdade do Evangelho!

*Universidade Pontifícia Lateranense, Roma


António Pitta

http://www.familiacrista.com/cgi-bin/getfromdb.pl?menu=EkFFpVAAFuNsEPJTIZ&ano=2009&mes=04&xms=artigos

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