No Livro dos Actos dos Apóstolos encontramos três narrativas que nos oferecem elementos comuns e diferenciados a emoldurar a cena do aparecimento de Jesus ressuscitado a Saulo (Act 9, 1-25; 22, 1-21; 26, 1-23). Como vemos pelo esquema apresentado estas narrativas oferecem-nos um jogo de variantes e similitudes que nos interpelam.
Certamente, que se nos posicionamos de forma histórico-matemática perante estes relatos teremos que os rejeitar, isto porque desse prisma as parecenças são ofuscadas pelas desigualdades. Porém, se relermos este texto a partir de um prisma narrativo ele assume uma força e uma erudição que impressionam. Certamente a partir destes novos óculos poderemos perscrutar mais genuinamente a intenção do narrador. Porque será que Lucas nos faz olhar a estrada de Damasco três vezes e de forma diferenciada?
Uma das razões exegéticas será o facto de Lucas ter contactado com várias fontes e tradições. Poderemos ver que haveria a tradição da narração do encontro com Jesus ao rei Agripa (cap. 26) e à multidão Judaica (cap. 22). Destas tradições o próprio Lucas terá elaborado a sua síntese (cap. 9).
Outra das teses que se tem desenvolvido bastante é aquela (de D.M.Stanley) que procura integrar estas três narrativas no que foi o projecto do livro dos Actos dos Apóstolos (Act 1, 1-3) e mais globalmente no projecto lucano apresentado no início do terceiro Evangelho (Lc 1, 1-4).
Então, será importante, num primeiro momento considerarmos uma visão panorâmica de cada um dos passos a partir de algumas perguntas: “onde?”; “quando?”; “com quem?”; “como?”; no final destas repostas, procurar o objectivo de cada uma das narrativas de forma singular. Depois será importante determinar as similitudes e as diferenças, sempre acompanhados da pergunta “porque?”.
A partir deste exercício, ficam claras profundidades que desconhecíamos nestes textos. A recomposição desta cena em três tempos tem o objectivo de não deixar escapar nenhuma das dimensões implicatórias desta teofania. Em Act 9 vemos como este acontecimento provoca uma reflexão eclesial profunda; por outro lado em Act 22 vemos um Paulo judaizante; finalmente em Act 26 encontramos a legitimação gentílica. Note-se que especialmente estes dois últimos episódios vão ao encontro do que Daniel Marguerat diz ser o “projecto lucano de integração”.
Concluindo, o caminho de Damasco (X3) permite ao autor lucano produzir o desabrochar do tema teológico que dá razão e supera todos os outros: o poder do Ressuscitado como força transformadora da própria história.
Biblioografia: MARGUERAT, Daniel, The First Christian Historian: Writing the “Acts of the Apostles”, Traduzido para Inglês por Ken McKinney, Gregory J. Laughery, e Richard Bauckham, Society for New Testament Studies Monograph Series. Cambridge University Press, 2002.
Sobretudo pp. 179-204
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