domingo, 30 de maio de 2010
Um Apontamento Musical sobre S. Paulo
In: BARBOSA Jorge Alves, «Louvai o Senhor em vossos corações…» S. Paulo e a música, Revista Brotéria 170, 2010, páginas 44 a 47.
sexta-feira, 28 de maio de 2010
NA PELE DE PAULO - Rm 9.1 - 11.36
Busco incessante essas palavras… preciso de encontrar essas palavras… Palavras poderosas, arrasadoras… Mas, quem sou eu para ousar querer dizer o indizível?
Experimento em mim um misto de assombro e de emoção… desejo dar alguma consolação a este homem… a este homem a quem devo a dádiva e a graça de ser cristã…
Experimento com ele, a profunda humildade de implorar: acreditem em mim… “É verdade o que vou dizer em Cristo; não minto, pois é na minha consciência que, pelo Espírito Santo, disto me dá testemunho.”
Mergulho com ele, no mar de imensa tristeza e de “dor contínua no meu coração.”
Com ele experimento o arrepio de morte de ser “separado de Cristo, pelo bem dos meus irmãos, os da minha raça, segundo a carne. Eles são os israelitas…”
Com ele deixo-me invadir pela dúvida: Será que Deus falhou ?
A dúvida é já, por si, inquietante, mas esta excede tudo… é capaz de, irremediavelmente, danificar a mente mais saudável.
Com ele reconheço que “nem todos os que descendem de Israel são Israel, como nem todos, por serem descendentes de Abraão, são seus filhos.”
Com ele sei “para que se mantenha claro que o desígnio de Deus é de sua livre escolha e está dependente, não das obras, mas de Deus que chama…”
Saboreio com ele a misericórdia de Deus “que não depende daquele que quer nem daquele que se esforça por alcançá-la, mas de Deus que é misericordioso.” E alegro-me por Deus “manifestar a riqueza da sua glória para com os vasos da misericórdia que de antemão tinha preparado para a glória (…). A estes, que somos nós, chamou-nos não só de entre os judeus, mas também de entre os gentios.”
Experimento com ele o incrível paradoxo: “ os gentios, que não procuram a justiça, a alcançaram, mas claro, a justiça que vem pela fé; Israel, ao contrário, que procura uma lei que podia levar à justiça, não atingiu essa lei. Por que razão ? Porque não foi pela fé, mas pelas obras, que a procuraram obter.”
Tropeçaram na pedra de tropeço, conforme está escrito: ‘Reparai que ponho em Sião uma pedra de tropeço, uma rocha de escândalo, e só quem nela acreditar não ficará frustrado.’ Is 28.16.
Associo-me ao desejo do seu coração para com ele implorar a Deus “que eles se salvem” e com ele digo que posso “testemunhar em seu abono que eles têm zelo de Deus. Só que o não têm devidamente esclarecido (…) por não terem reconhecido a justiça que vem de Deus, e terem procurado estabelecer a sua própria justiça, não se submeteram à justiça de Deus.”
Exulto com ele por saber “que o fim da Lei é Cristo, para que, deste modo, a justiça seja concedida a todo o que tem fé.” O Evangelho exige de nós a fé em Cristo.
Pela fé, vibro com Paulo poder dizer Creio que “ Jesus é o Senhor, que Deus o ressuscitou de entre os mortos” e que, por essa ressurreição, somos salvos.
Participo da fractura que ele provocou ao dizer que “não há diferença entre judeu e grego, pois todos têm o mesmo Senhor, rico para com todos os que o invocam.”
Com ele paraliso de perplexidade pela falta de fé de Israel.
…não acreditaram ? …não ouviram falar d’Ele ? “ a fé surge pela palavra de Cristo. Mas pergunto eu, será que não a ouviram ? … será que Israel não entendeu ?”
Revivo com ele a mesma dúvida: “terá Deus rejeitado o seu povo ? … Deus não rejeitou o seu povo, que de antemão escolheu.”
Com ele participo da mesma consciência de ser pertença de um “resto, cuja eleição se deve à graça de Deus. Mas se o é pela graça, deixa de ser pelas obras; caso contrário a graça deixaria de ser graça.”
Com ele, revisto-me de sentimentos de misericórdia e de compaixão deixando-me tomar pela antítese e contradição: “… foi devido à sua queda que a salvação chegou aos gentios e isso aconteceu para que Israel sentisse ciúmes deles. Ora se a sua queda reverteu em riqueza para o mundo e a sua perda em riqueza para os gentios, quanto mais não será na plenitude da sua conversão. (…) a sua rejeição serviu para a reconciliação do mundo, que irá ser a sua admissão senão uma passagem da morte à vida ? (…) Mas, se alguns ramos foram cortados, enquanto tu, que eras de oliveira brava, fostes enxertado entre os outros, para com eles ficares a participar da raiz donde vem a seiva da oliveira, não te faças arrogante perante aqueles ramos (…) lembra-te que não és tu quem sustenta a raiz, mas a raiz é que te sustenta a ti.”
Cortados, sim, por falta da fé “mas tu, é pela fé que estás seguro. Não sejas soberbo, mas toma cuidado.”
Com ele partilho a mesma esperança de que todo o Israel será salvo. “… deu-se o endurecimento de uma parte de Israel, até que a totalidade dos gentios tenha entrado. E é assim que todo o Israel será salvo, de acordo com o que está escrito:
‘ virá de Sião o libertador, que afastará as impiedades do meio de Jacob. Esta é a aliança que Eu farei com eles, quando lhes tiver tirado os seus pecados’ Is 27.9; 50. 20-21.
“ No que diz respeito ao Evangelho, eles são inimigos, para proveito vosso; mas em relação à eleição, são amados, devido aos seus antepassados. É que os dons e o chamamento de deus são irrevogáveis.”
Com ele extasio-me e louvo a Glória de Deus para sempre ! …
“Oh, que profundidade de riqueza, de sabedoria e de ciência é a de Deus !
Como são insondáveis as suas decisões e impenetráveis os seus caminhos! (…)
Porque é d’Ele, por Ele e para Ele que tudo existe.
GLÓRIA A ELE PELOS SÉCULOS! AMEN.”
CRONOLOGIA DA VIDA DE PAULO
Acontecimento Circunstância Ano (d.C.)
Nascimento ….. em Tarso na Cilícia (Ásia Menor) …… de 3 a 6 ou 8 ?
Martírio de Estêvão …………. em Jerusalém …………….. 36 - 37
Conversão …………….. na estrada para Damasco ……….. 38 – 39
Vinda para Jerusalém … ao encontro dos Apóstolos ………. 39
Paulo e Barnabé …………. em Antioquia ……………….. 43
1ª Viagem apostólica …… Chipe, Panfília, Licaónia ………….. 46 a 48
Vinda Jerusalém ……….. Concílio de Jerusalém ……………. 48
2ª Viagem apostólica … Licaónia, Filipos, Tessalónica, Atenas… 49 a 52
1ª Carta aos Tessalonicenses ………………………………….. 50
2ª Carta aos Tessalonicenses ………………………………….. 51
Comparência perante procônsul Galião …… em Corinto …….. 51
3ª Viagem apostólica...Galácia, Éfeso, Macedónia, Mileto, Judeia... 53 a 58
Cartas aos Coríntios e aos Gálatas ……………………………… 57 - 58
Carta aos Romanos ….………………………………………….. 57 - 58
Prisão de Paulo ……. no Templo, em Jerusalém …………….. 58
Paulo, em Cesareia …….. antes de ir para Roma ……………. 58 - 60
Paulo perante Festo ……… no tribunal em Cesareia ………….. 60
Viagem para Roma ………. Outono …………………………. 60
Paulo em Roma ……… prisão domiciliária …………………… 61 - 63
Cartas aos Colossences, Efésios e a Filémon …………………… 61 - 63
Martírio de Pedro e Paulo ………. em Roma …………………. 66 - 67
(in http://www.ofm.org.pt/designio/imagensartigosccf/CCF.%20O%20mundo%20de%20S.%20Paulo.pdf)
Hino cristológico da Carta aos Filipenses
6Ele, que é de condição divina, não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; 7no entanto, esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição de servo. Tornando-se semelhante aos homens e sendo, ao manifestar-se, identificado como homem, 8rebaixou-se a si mesmo, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. | I PARTE DO HINO: fala da descida (kénosis) |
9Por isso mesmo é que Deus o elevou acima de tudo e lhe concedeu o nome que está acima de todo o nome, 10para que, ao nome de Jesus, se dobrem todos os joelhos, os dos seres que estão no céu, na terra e debaixo da terra; 11 e toda a língua proclame: "Jesus Cristo é o Senhor!", para glória de Deus Pai. | II PARTE DO HINO: fala da subida (Exaltação) |
Carta aos Colossenses (síntese)
Act 9,1-25; 22,1-21; 26,1-23: UMA ANÁLISE COMPARATIVA
Três momentos fundamentais em todos os relatos: um Paulo judeu zeloso no cumprimento da Lei e perseguidor dos que seguem Jesus; a teofania no caminho de Damasco; uma mudança radical na personalidade e vida de Paulo que o determina para a missão.
No 1º relato a voz do narrador; os 2º e 3º são discursos na 1ª pessoa, com duas intromissões do narrador (22,2 e 26,1).
Os 2º e 3º relatos são discursos de defesa: no 2º, Paulo acaba de ser preso face aos sucessos narrados no capítulo 21. No 3º continua preso, agora já em Cesareia (antes ainda em Jerusalém). O 2º relato é algo mais curto do que os outros.
Um Paulo perseguidor dos da Via nos 1º e 2º relatos; um Paulo perseguidor dos santos no 3º. Neste último relato Paulo revela-se até um perseguidor mais feroz.
Uma intensa luz vinda do Céu nos 1º e 2º relatos. Mas no 3º uma luz mais brilhante do que o sol, que refulgia à volta de Paulo e dos seus companheiros: mais do que uma luz, uma iluminação. A missão que o Senhor dá a Paulo será, por isso, fazer passar das trevas à luz aqueles a quem vai ser enviado (26,18).
Nos 1º e 2º relatos Paulo fica cego e em todos cai por terra. No 3º também os companheiros caem por terra. Nos 1º e 2º Paulo, fragilizado e cego, é levado pela mão para Damasco.
«Eu sou Jesus a quem tu persegues» é frase que aparece nos três relatos apenas se acrescentando a Jesus «de Nazaré» no 2º. Talvez para melhor identificação: Paulo fala para judeus e judeus com o nome de Jesus havia muitos. No mais variam as palavras do ressuscitado. No 3º Jesus acrescenta: “É duro para ti recalcitrar contra o aguilhão”» (26,14), isto é, a tua teimosia equivale à do boi que apenas consegue sofrer mais quando se opõe ao ferrão da aguilhada.
No 3º relato Jesus fala a Paulo em hebraico. Nos demais não sabemos em que língua falou.
Ananias, figura relevante pois que a ele Deus revela o plano que tem para Paulo, só aparece nos dois primeiros relatos.
No 2º relato Ananias dá mesmo a conhecer a Paulo o projecto que Deus tem para ele: «O Deus dos nossos pais predestinou-te […] serás testemunha diante de todos os homens, acerca do que viste e ouviste» (22,14-15). Mas neste 2º relato, Paulo tem, no Templo, uma segunda visão de Jesus que, também Ele, lhe dá a conhecer a sua missão: «Vai, que te vou enviar lá longe, aos pagãos» (22,21).
Falta aqui a dupla e simultânea visão do 1º relato, de Paulo e Ananias.
Ananias é, no 1º relato, seguramente um dos seguidores de Cristo. Responde à missão de que o Ressuscitado o incumbe e vai à casa em que Paulo se encontrava. Fê-lo recuperar a vista e baptizou-o. Assim no 2º relato. Mas aqui, no 2º relato, Paulo refere-se a Ananias como «homem piedoso e cumpridor da Lei» (22,12), isto é, um judeu respeitável, ortodoxo. E isto compreende-se melhor se tivermos em conta que Paulo discursa para judeus. No 3º relato é Jesus, Ele mesmo e só Ele, que identifica a Paulo a sua missão. Não aparece Ananias.
Importante é que Paulo adquire com os sucessos do caminho de Damasco uma nova personalidade, de que se dá inteira conta, e muda completamente a sua vida. E isto está patente em todos os relatos.
No 1º relato, recuperadas as forças após a intervenção de Ananias, logo começa a evangelizar (9,20). Este tem uma formulação Cristocêntrica e naquilo que Jesus diz a Ananias vemos uma meditação eclesial acerca da nova identidade de Paulo. Já no 2º relato a formulação é Teocêntrica: Paulo fala como judeu, para judeus, falando-lhes de uma experiência que tem como possível no interior do Judaísmo. Teremos aqui uma recomposição Lucana para mostrar a ortodoxia de Paulo que (arriscadamente) apresenta Jesus como o Messias e o Messias como Deus. O 3º relato tem a sua centralidade no último versículo: «[…] que o Messias tinha de sofrer e que, sendo o primeiro a ressuscitar de entre os mortos, anunciaria a luz ao povo e aos pagãos», isto é, a judeus e gentios. É o querigma, que Paulo já espalhara nos mais de 15 anos de missão.
Mensagem que percorre todos os relatos: no princípio daquilo que Paulo foi para o Cristianismo está uma revelação de Deus; que altera completamente a sua personalidade; que determina uma mudança radical na sua vida; que o levou a dedicar-se inteiramente a percorrer mundo, evangelizando.
Na Estrada de Damasco Paulo percebe que a força do Ressuscitado o chama a ser luz para as nações.
quinta-feira, 27 de maio de 2010
Particularidades da carta de S.Paulo aos Romanos
(a) Penso que é a primeira carta que escreve a uma comunidade que desconhece. Por essa razão é uma carta de apresentação onde não se notam traços de emoção característicos da ansiedade em responder a comunidades com as quais havia laços de amor (maternal) ou conflitos.
(b) Curiosamente, apesar de não conhecer a comunidade, despede-se pessoalmente de 26 pessoas (talvez por informações recebidas por Priscilla e Áquila).
(c) A carta apresenta de forma inequívoca um tema, que embora transversal a toda a pregação de S.Paulo, é pela primeira vez anunciado: o evangelho é o poder de Deus para a salvação (o impacto de Cristo na vida do homen).
(c) Embora não constitua o tema central, a colecta é referida claramente, quando explica arazão da sua demora em ir ter com a comunidade.
(d) É irónica a forma como usa as escrituras, a base do judaismo, para romper com a percepção que estes têm de Deus. Todos somos pecadores, afirma S.Paulo (Brutal!)
(e) Deus não não divide os homens por categorias. Agora há um só homem, o justo. Para este homen novo em Jesus Cristo existe a esperança da salvação (nova aliança).
(f) O tema da justificação é desenvolvido de forma magistral. Não restam dúvidas a quem o lê: em Jesus Cristo todos participamos na relação com Deus pela graça da aliança.
Abraços Mafalda
Paulo, mestre no diálogo ecuménico e no diálogo inter-religioso?
Catequese 14 de Bento XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 26 de Novembro de 2008
São Paulo (14)
A doutrina da justificação: da fé às obras
Na catequese de quarta-feira passada falei sobre a questão de como o homem se torna justo diante de Deus. Seguindo São Paulo, vimos que o homem não está em condições de se tornar "justo" com as suas próprias acções, mas só pode realmente tornar-se "justo" diante de Deus porque Deus lhe confere a sua "justiça" unindo-o a Cristo, seu Filho. E o homem obtém esta união com Cristo através da fé. Neste sentido São Paulo diz-nos: não são as nossas obras que nos tornam "justos", mas a fé. Contudo, esta fé não é um pensamento, uma opinião, uma ideia. Esta fé é comunhão com Cristo, que o Senhor nos doa e por isso se torna vida, conformidade com Ele. Ou, por outras palavras, a fé, se é verdadeira, se é real, torna-se amor, caridade, expressa-se na caridade. Uma fé sem caridade, sem este fruto não seria verdadeira. Seria fé morta.
Encontramos por conseguinte na última catequese dois níveis: o da irrelevância das nossas acções, das nossas obras para a consecução da salvação e o da "justificação" mediante a fé que produz o fruto do Espírito. A confusão destes dois níveis causou, ao longo dos séculos, não poucos mal-entendidos na cristandade. Neste contexto é importante que São Paulo na mesma Carta aos Gálatas acentue, por um lado, de modo radical, a gratuidade da justificação não pelas obras, mas que, ao mesmo tempo, ressalte também a relação entre a fé e a caridade, entre a fé e as obras: "Em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão têm valor, mas a fé que actua pela caridade" (Gl 5, 6). Por conseguinte, existem, por um lado, as "obras da carne" que são "prostituição, impureza, desonestidade, idolatria..." (Gl 5, 19-21): todas elas são obras contrárias à fé; por outro lado, a acção do Espírito Santo alimenta a vida cristã suscitando "amor, alegria, paz, magnanimidade, benevolência, bondade, fidelidade, mansidão, domínio de si" (Gl 5, 22): são estes os frutos do Espírito que brotam da fé.
No início deste elenco de virtudes é citada o ágape, o amor, e na conclusão o domínio de si. Na realidade, o Espírito, que é o Amor do Pai e do Filho, efunde o seu primeiro dom, o ágape, nos nossos corações (cf. Rm 5, 5); e o ágape, o amor, para se expressar em plenitude exige o domínio de si. Do amor do Pai e do Filho, que nos alcança e transforma a nossa existência em profundidade, falei também na minha primeira Encíclica: Deus caritas est. Os crentes sabem que no amor recíproco se encarna o amor de Deus e de Cristo, por meio do Espírito. Voltemos à Carta aos Gálatas. Nela São Paulo diz que, carregando os fardos uns dos outros, os crentes cumprem o mandamento do amor (cf. Gl 6, 2). Justificados pelo dom da fé em Cristo, somos chamados a viver no amor de Cristo pelo próximo, porque é com este critério que seremos julgados, no final da nossa existência. Na realidade, Paulo repete o que o próprio Jesus tinha dito e que nos foi reproposto pelo Evangelho do domingo passado, na parábola do Juízo final. Na Primeira Carta aos Coríntios, São Paulo difunde-se num famoso elogio do amor. É o chamado hino à caridade: "Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como bronze que ressoa, ou como o címbalo que tine... A caridade é paciente, a caridade é benigna, não é invejosa; a caridade não se ufana, não se ensoberbece, não é inconveniente, não procura o seu interesse..." (1 Cor 13, 1.4.5). O amor cristão é muito exigente porque brota do amor total de Cristo por nós: aquele amor que nos reclama, acolhe, abraça, ampara, até nos atormentar, porque obriga cada um a não viver mais para si mesmo, fechado no próprio egoísmo, mas para "Aquele que morreu e ressuscitou por nós" (cf. 2 Cor 5, 15). O amor de Cristo faz-nos ser n'Ele aquela criatura nova (cf. 2 Cor 5, 17) que começa a fazer parte do seu Corpo místico que é a Igreja.
Vista nesta perspectiva, a centralidade da justificação sem obras, objecto primário da pregação de Paulo, não entra em contradição com a fé activa no amor; aliás, exige que a nossa mesma fé se exprima numa vida segundo o Espírito. Com frequência viu-se uma infundada oposição entre a teologia de São Paulo e a de São Tiago, que na sua Carta escreve: "Assim como o corpo sem a alma é morto, assim também a fé sem obras é morta" (2, 26). Na realidade, enquanto Paulo está antes de tudo preocupado em mostrar que a fé em Cristo é necessária e suficiente, Tiago realça as relações consequenciais entre a fé e as obras (cf. Tg 2, 2-4). Portanto quer para Paulo quer para Tiago a fé activa no amor confirma o dom gratuito da justificação em Cristo. A salvação, recebida em Cristo, tem necessidade de ser constituída e testemunhada "com respeito e temor. De facto, é Deus quem suscita em vós o valor e as obras segundo o seu desígnio de amor. Fazei tudo sem murmurar e sem hesitar... mantendo firme a palavra de vida", dirá ainda São Paulo aos cristãos de Filipos (cf. Fl 2, 12-14.16).
Muitas vezes somos levados a cair nos mesmos mal-entendidos que caracterizaram a comunidade de Corinto: aqueles cristãos pensavam que, tendo sido justificados gratuitamente em Cristo pela fé, "tudo lhes fosse lícito". E pensavam, e muitas vezes parece que o pensam também os cristãos de hoje, que é lícito criar divisões na Igreja, Corpo de Cristo, celebrar a Eucaristia sem se preocupar com os irmãos mais necessitados, aspirar aos melhores carismas sem se dar conta que são membros uns dos outros, e assim por diante. São desastrosas as consequências de uma fé que não encarna no amor, porque se reduz ao arbítrio e ao subjectivismo mais nocivo para nós e para os irmãos. Ao contrário, seguindo São Paulo, devemos tomar consciência renovada do facto que, precisamente porque justificados em Cristo, já não pertencemos a nós mesmos, mas tornamo-nos templos do Espírito e por isso somos chamados a glorificar Deus no nosso corpo com toda a nossa existência (cf. 1 Cor 6, 19). Seria desbaratar o valor inestimável da justificação se, comprados a caro preço pelo sangue de Cristo, não o glorificássemos com o nosso corpo. Na realidade, é precisamente este o nosso culto "razoável" e ao mesmo tempo "espiritual", pelo que somos exortados por Paulo a "oferecer o nosso corpo como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus" (Rm 12, 1). Ao que se reduziria uma liturgia dirigida apenas ao Senhor, sem se tornar, ao mesmo tempo, serviço pelos irmãos, uma fé que não se expressasse na caridade? E o Apóstolo coloca com frequência as suas comunidades face ao juízo final, por ocasião do qual "todos havemos de comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba o que mereceu, conforme o bem ou o mal que tiver feito, enquanto estava no corpo" (2 Cor 5, 10; cf. também Rm 2, 16). E este pensamento do Juízo deve iluminar-nos na nossa vida de todos os dias.
Se a ética que Paulo propõe não decai em formas de moralismo e se demonstra actual para nós, é porque, todas as vezes, recomeça sempre da relação pessoal e comunitária com Cristo, para se imbuir na vida segundo o Espírito. Isto é essencial: a ética cristã não nasce de um sistema de mandamentos, mas é consequência da nossa amizade com Cristo. Esta amizade influencia a vida: se é verdadeira encarna-se e realiza-se no amor ao próximo. Por isso, qualquer decadência ética não se limita à esfera individual, mas é ao mesmo tempo desvalorização da fé pessoal e comunitária: dela deriva e sobre ela incide de modo determinante. Deixemo-nos portanto alcançar pela reconciliação, que Deus nos deu em Cristo, pelo amor "louco" de Deus por nós: nada e ninguém jamais nos poderá separar do seu amor (cf. Rm 8, 39). Vivamos nesta certeza. É esta certeza que nos dá a força para viver concretamente a fé que realiza o amor.
Catequese 13 de Bento XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São PedroQuarta-feira, 19 de Novembro de 2008
São Paulo (13)
A doutrina da justificação - Das obras à fé
No caminho que estamos a percorrer sob a guia de São Paulo, desejamos agora reflectir sobre um tema que está no centro das controvérsias do século da Reforma: a questão da justificação. Como se torna justo o homem aos olhos de Deus? Quando Paulo encontrou o ressuscitado no caminho de Damasco era um homem realizado: irrepreensível em relação à justiça que provém da Lei (cf. Fl 3, 6), superava muitos dos seus coetâneos na observância das prescrições moisaicas e era zeloso na defesa das tradições dos padres (cf. Gl 1, 14). A iluminação de Damasco mudou radicalmente a sua existência: começou a considerar todos os méritos, adquiridos numa carreira religiosa integérrima, como "esterco" face à sublimidade do conhecimento de Jesus Cristo (cf. Fl 3, 8). A Carta aos Filipenses oferece-nos um testemunho comovedor da passagem de Paulo de uma justiça fundada na Lei e adquirida com a observância das obras prescritas, para uma justiça baseada na fé em Cristo: ele tinha compreendido que tudo o que lucrado até então na realidade era, perante Deus, uma perda e por isso decidiu apostar toda a sua existência em Jesus Cristo (cf. Fl 3, 7). O tesouro escondido no campo e a pérola preciosa em cuja aquisição investir tudo o resto já não eram as obras da Lei, mas Jesus Cristo, o seu Senhor.
A relação entre Paulo e o Ressuscitado tornou-se tão profunda que o induziu a afirmar que Cristo não era apenas a sua vida mas o seu viver, a ponto que para o poder alcançar até morrer era um lucro (cf. Fl 1, 21). E não desprezava a vida, mas tinha compreendido que para ele o viver já não tinha outra finalidade e não sentia outro desejo a não ser o de alcançar Cristo, como numa competição atlética, para permanecer sempre com Ele: o Ressuscitado tinha-se tornado o início e o fim da sua existência, o motivo e a meta da sua corrida. Só a preocupação pela maturação na fé dos que tinha evangelizado e a solicitude por todas as Igrejas por ele fundadas (cf. 2 Cor 11, 28), o levavam a abrandar a corrida para o seu único Senhor, para aguardar os discípulos a fim de que pudessem, com ele, correr para a meta. Se na precedente observância da Lei nada tinha para se reprovar sob o ponto de vista da integridade moral, uma vez alcançado por Cristo preferia não pronunciar juízos sobre si mesmo (cf. 1 Cor 4, 3-4), mas limitava-se a predispor-se a correr para conquistar Aquele pelo qual tinha sido conquistado (cf. Fl 3, 12).
É precisamente por esta experiência pessoal da relação com Jesus Cristo que Paulo põe precisamente no centro do seu Evangelho uma irredutível oposição entre dois percursos alternativos rumo à justiça: um construído sobre as obras da Lei, o outro fundado na graça da fé em Cristo. A alternativa entre a justiça para as obras da Lei e a justiça pela fé em Cristo torna-se assim um dos motivos dominantes que atravessam as suas Cartas: "Nós somos judeus de nascimento e não pecadores da gentilidade; sabendo, entretanto, que o homem não se justifica pelas obras da Lei, mas pela fé em Jesus Cristo, nós também cremos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo e não pelas obras da Lei, porque pelas obras da Lei ninguém é justificado" (Gl 2, 15-16). E aos cristãos de Roma recorda que "todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus, e são justificados gratuitamente, por sua graça, em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus" (Rm 3, 23-24). E acrescenta: "Nós sustentamos que o homem é justificado pela fé, sem as obras da Lei" (Ibid., v. 28). Sobre este ponto, Lutero traduziu: "Justificado unicamente pela fé". Voltarei a este aspecto no final da catequese. Primeiro devemos esclarecer o que significa esta "Lei" da qual somos libertados e o que são aquelas "obras da Lei" que não justificam. Já na comunidade de Corinto existia a opinião que depois voltaria sistematicamente à história; a opinião consistia em considerar que se tratasse da lei moral e que a liberdade cristã fosse portanto a libertação da ética. Assim em Corinto circulava a palavra "πάντα μοι έξεστιν" (tudo me é lícito). É obvio que esta interpretação é errada: a liberdade cristã não é libertinagem, a libertação da qual fala São Paulo não é libertação de praticar o bem.
Mas o que significa então a Lei da qual somos libertados e que não salva? Para São Paulo, como para todos os seus contemporâneos, a palavra Lei significava a Torah na sua totalidade, ou seja, os cinco livros de Moisés. A Torah implicava, na interpretação farisaica, a que era estudada e tornada própria por Paulo, um conjunto de comportamentos que ia do núcleo ético até às observâncias rituais e cultuais que determinavam substancialmente a identidade do homem justo. Particularmente a circuncisão, as observâncias acerca do alimento puro e geralmente a pureza ritual, as regras sobre a observância do sábado, etc. Comportamentos que, com frequência, aparecem também nos debates entre Jesus e os seus contemporâneos. Todas estas observâncias que expressam uma identidade social, cultural e religiosa tinham-se tornado singularmente importantes no tempo da cultura helenista, começando pelo século III a.C. Esta cultura, que se tinha tornado a cultura universal de então, e era uma cultura aparentemente racional, uma cultura politeísta, aparentemente tolerante, constituía uma forte pressão rumo à uniformidade cultural e ameaçava assim a identidade de Israel, que era politicamente obrigado a entrar nesta identidade comum da cultura helenista com a consequente perda da própria identidade, perda portanto também da preciosa herança da fé dos Padres, da fé no único Deus e nas promessas de Deus.
Contra esta pressão cultural, que ameaçava não só a identidade israelita, mas também a fé no único Deus e nas suas promessas, era necessário criar um muro de distinção, um escudo de defesa em protecção da preciosa herança da fé; tal muro consistia precisamente nas observâncias e prescrições judaicas. Paulo, que tinha aprendido tais observâncias precisamente na sua função defensiva do dom de Deus, da herança da fé num único Deus, viu esta identidade ameaçada pela liberdade dos cristãos: perseguia-os por isto. No momento do seu encontro com o Ressuscitado, compreendeu que com a ressurreição de Cristo a situação tinha mudado radicalmente. Com Cristo, o Deus de Israel, o único Deus verdadeiro, tornava-se o Deus de todos os povos. O muro assim diz na Carta aos Efésios entre Israel e os pagãos, não era mais necessário: é Cristo que nos protege do politeísmo e todos os seus desvios; é Cristo que nos une com e no único Deus; é Cristo que garante a nossa verdadeira identidade na diversidade das culturas. O muro já não é necessário, a nossa identidade comum na diversidade das culturas é Cristo, e é Ele quem nos torna justos. Ser justo significa simplesmente estar com Cristo e em Cristo. E isto é suficiente. Não são mais necessárias outras observâncias. Por isso, a expressão "sola fide" de Lutero é verdadeira, se não se opõe a fé à caridade, ao amor. A fé é olhar Cristo, confiar-se a Cristo, apegar-se a Cristo, conformar-se com Cristo e com a sua vida. E a forma, a vida de Cristo, é o amor; portanto, acreditar é conformar-se com Cristo e entrar no seu amor. Por isso, São Paulo na Carta aos Gálatas, sobretudo na qual desenvolveu a sua doutrina sobre a justificação, fala da fé que age por meio da caridade (cf. Gl 5, 14).
Paulo sabe que no dúplice amor a Deus e ao próximo está presente e é completada toda a Lei. Assim, na comunhão com Cristo, na fé que cria a caridade, toda a Lei é realizada. Tornamo-nos justos, entrando em comunhão com Cristo, que é amor. Veremos a mesma coisa no Evangelho do próximo domingo, solenidade de Cristo-Rei. É o Evangelho do juiz, cujo único critério é o amor. O que Ele exige é só isto: Tu visitaste-me quando estava doente? Quando estava na prisão? Tu deste-me de comer quando eu tinha fome, tu vestiste-me quando eu estava nu? E assim a justiça decide-se na caridade. Assim, no final deste Evangelho podemos quase dizer: só amor, só caridade. Mas não há contradição entre este Evangelho e São Paulo. É a mesma visão, segundo a qual a comunhão com Cristo, a fé em Cristo, cria a caridade. E a caridade é realização da comunhão com Cristo. Assim, somos justos permanecendo unidos a Ele, e de nenhum outro modo.
No final, só podemos rezar ao Senhor que nos ajude a crer. Crer realmente; assim, acreditar torna-se vida, unidade com Cristo, transformação da nossa vida. E assim, transformados pelo seu amor, pelo amor a Deus e ao próximo, podemos ser realmente justos aos olhos de Deus.
quarta-feira, 26 de maio de 2010
NA PELE DE PAULO
Parece que não existem palavras que possam exprimir o que Paulo diz aqui.
Busco incessante essas palavras… preciso de encontrar essas palavras… Palavras poderosas, arrasadoras… Mas, quem sou eu para ousar querer dizer o indizível?
Experimento em mim um misto de assombro e de emoção… desejo dar alguma consolação a este homem… a este homem a quem devo a dádiva e a graça de ser cristã…
Experimento com ele, a profunda humildade de implorar: acreditem em mim… “É verdade o que vou dizer em Cristo; não minto, pois é na minha consciência que, pelo Espírito Santo, disto me dá testemunho.”
Mergulho com ele, no mar de imensa tristeza e de “dor contínua no meu coração.”
Com ele experimento o arrepio de morte de ser “separado de Cristo, pelo bem dos meus irmãos, os da minha raça, segundo a carne. Eles são os israelitas…”
Com ele deixo-me invadir pela dúvida: Será que Deus falhou ?
A dúvida é já, por si, inquietante, mas esta excede tudo… é capaz de, irremediavelmente, danificar a mente mais saudável.
Com ele reconheço que “nem todos os que descendem de Israel são Israel, como nem todos, por serem descendentes de Abraão, são seus filhos.”
Com ele sei “para que se mantenha claro que o desígnio de Deus é de sua livre escolha e está dependente, não das obras, mas de Deus que chama…”
Saboreio com ele a misericórdia de Deus “que não depende daquele que quer nem daquele que se esforça por alcançá-la, mas de Deus que é misericordioso.”
Algumas influências da Carta aos Romanos:
A Carta aos Romanos representa a síntese mais elaborada da teologia paulina. Sob o aspecto histórico, a carta aosRomanos ocupa uma grande importância vindo a ter um papel preponderante e influente na historia da Igreja :
- Santo Agostinho teve um último impulso à conversão ao ler a Carta aos Romanos (Confissões 8,12,23);
- Foi o ponto de partida da Reforma Protestante: Lutero escreveu um “Comentário aos Romanos”, em 1515, e aí já se encontram as ideias sobre a justificação;
- Calvino, no seu livro Christianae religionis institutio fundamenta a doutrina da
predestinação na Carta aos Romanos (1539);
- O Concílio de Trento, fundamenta em Romanos a doutrina Católica da justificação e do pecado original;
- Em 1918, Karl Bart iniciou o novo movimento protestante tendo como ponto de partida o “Comentário à Carta aos Romanos”;
- A tradução Ecumênica da Bíblia começou pela Carta aos Romanos. Segundo o pastor M. Boegner ‘o texto das nossas divisões’ devia tornar-se ‘o texto do nosso encontro’ (1965).
- Em 31 de Outubro de 1999, em Augsburgo, na Alemanha, foi afixada a declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação (DCDJ), assinada entre a Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica Romana. Sabemos que grande parte de todo o problema historio em torno da Justificação foi a interpretação na Carta aos Romanos.
Eu sou um calhau!
Pois é meus caros, lida a carta de S.Paulo aos Romanos e depois de muito perscrutar, nem uma lágrima. Não será o caso de estarmos perante um ser insensível, dado que a simples visão televisiva do Papa Bento XVI provoca em mim uma verdadeira cascata de emoções, entre as quais, vários litros de lágrimas. Não meus amigos, eu sou o verdadeiro calhau!
Não obstante, fiquei extasiada com o seu conteúdo e, como acontece com qualquer bom escritor, apaixonada pela perícia do autor em tornar simples alguns dos temas que perseguem o entendimento cristão nestas últimas décadas, se não sempre.
Efectivamente, enquanto a leitura dos quatro evangelhos é um eterno “adivinhar”, que para mim não seria possível sem a ajuda do nosso caríssimo mestre Tolentino de Mendonça, as cartas de S.Paulo e, particularmente a carta aos Romanos, são o todo: o tema, a explicação e o caminho. Como é possível nunca me ter encontrado com este texto? Não compreendo!
Deixem no entanto que vos diga, para aqueles sobre os quais o P.Tolentino afirma que a igreja deve aprender a ser tolerante, ou seja, “sou católico não praticante": dêem‑lhes uma cópia da carta aos romanos. Para os que declaram “eu prefiro confessar-me directamente a Deus”, dêem-lhes uma cópia da carta aos romanos. Façam cópias e dêem, não precisamos fazer a apologia da leitura de todo o evangelho (não neste contexto) onde este texto maravilhoso se encontra diluído entre tantos outros. Não, façamos cópias (sem o meu pai saber)!
A leitura privilegiada deste texto tem que fazer cristãos novos.
Um abraço fraterno
Mafalda Videira